transito
GERAL

Paciente da Santa Casa internado há 18 anos conquista diploma do fundamental

18 Mar 2019 - 17h47Por Renata Okumura

Era junho de 2001. Lucas Gabriel Barbosa Santos tinha 2 anos e 8 meses e sintomas de pneumonia. A família o levou à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na região central da capital paulista, certa de que ele se recuperaria. Mas o quadro se agravou e, com ele, veio o diagnóstico: Lucas tinha Doença de Pompe, uma anomalia genética rara que paralisa os músculos. A dificuldade para respirar era apenas um dos sintomas da enfermidade que acometera o garoto. Lucas nunca teve alta. Comemora todos os aniversários no hospital, onde aprendeu a ler, fazer contas de cabeça e também ciências e história. Aos 20 anos, Lucas vive se superando. No fim de 2018, conquistou o diploma do ensino fundamental, após ter alcançado, com a ajuda de estudantes e de voluntários, nota 7,75 no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

"Na noite anterior ao exame, nem consegui dormir. A prova começou às 9 horas e terminou às 20 horas, com duas horas de intervalo. Foi mais cansativo que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que dura dois dias", brincou Lucas. Para ele, o tema da redação - alimentos industrializados - foi um desafio. O jovem se alimenta apenas por sonda. "Falei como são e a importância deles. Achei muito difícil", contou.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Encceja, ao contrário do Enem, não prevê atendimento em classe hospitalar. O caso do Lucas foi uma exceção: foi aceito por meio de análise da Comissão de Demandas.

"Lucas é um menino admirável. Eu o conheci no dia em que chegou à Santa Casa, onde trabalho desde 1980. O que ele nos proporciona é uma experiência de aprendizado. Ele nos ensina determinação, perseverança e humildade. Ele só consegue falar e movimentar os olhos. Acredito que a própria doença ajudou seu cérebro a desenvolver áreas ainda pouco exploradas", afirmou o diretor da Pediatria da Santa Casa de São Paulo, Marco Aurélio Palazzi Sáfadi.

Lucas respira com a ajuda de aparelhos, fala com um pouco de dificuldade, enxerga perfeitamente e tem excelente memória. Ele não consegue mexer o corpo, nem as mãos e os pés, mas seus olhos e seu rápido raciocínio conduzem as mãos de outras pessoas para ajudá-lo, como, por exemplo, a usar um celular. Quem está ao seu redor o ajuda a jogar videogame e até dominó.

Cerca de 3 mil brasileiros são portadores da Doença de Pompe, que pode se apresentar de diferentes formas na infância ou na vida adulta. Na forma mais grave, a expectativa de vida é mais curta. Por isso, o diagnóstico precoce é essencial. "Inicialmente, o quadro mais comum é de pneumonia, dificuldade motora, para se alimentar, e aumento do coração", explicou Sáfadi.

No caso do Lucas, o quadro se agravou e ele precisou de internação contínua. Em quase duas décadas no hospital, o jovem fez amigos e estabeleceu fortes vínculos com médicos, enfermeiros e até parentes de outros pacientes.

No dia a dia, Lucas adora conversar sobre tema variados, que vão de física e ciência aos assuntos internacionais, passando por futebol e, também, amenidades do cotidiano. Em seu quarto, além dos aparelhos que o ajudam a respirar e se alimentar, há uma televisão, janela com vidros, foto com o jogador Neymar - que já o visitou -, livros e imagens de santos de sua devoção. Lucas fez a primeira comunhão e a crisma na Santa Casa. Também tem a camisa do Santos e é personagem na história em quadrinhos Lucas, Meu Pequeno Santista, que faz parte do projeto inédito da ONG Vai Valer a Pena. Ele só se incomoda com o calor, em dias mais quentes, porque não há ventilador e nem ar condicionado no quarto.

Lucas também fica atento ao que acontece nas redes sociais e conta com a ajuda de pessoas próximas para se manter atualizado. Mantém páginas no Facebook e no Youtube, onde conversa com amigos e expressa seus pensamentos.

Aprendizado

Desde a infância, Lucas conta com visitas frequentes de voluntários de Organizações Não Governamentais (ONGs) e também da própria Santa Casa, que o ajudaram a aprender a ler e a fazer cálculos de cabeça. Antônio Alfredo Silva, o Tony, de 53 anos, é um desses voluntários. Ligado à Associação Viva e Deixe Viver, Silva conhece o Lucas há mais de dez anos, e lembra que o aprendizado do jovem começou com as próprias contações de histórias.

"Ele aprendeu a ler a partir desse estímulo e contou com ajuda de voluntários, entre eles professoras. Ele teve uma professora que ministrava classe hospitalar e, naquele momento, teve um grande desenvolvimento no aprendizado das ciências e matemática, fato que fez aumentar seu interesse pela carreira de físico astrônomo. Stephen William Hawking virou sua referência. Ele diz que quer ser igual a ele e dar aula pela internet. Também evoluiu no aprendizado moral, entendendo sua própria situação e percebendo como a vida passa a ter um sentido quando ajudamos outras pessoas", afirmou Silva.

Lucas lembra com carinho dos voluntários e reconhece o papel que eles têm no seu desenvolvimento. "Desde pequeno tenho aulas com voluntárias, que me ajudaram muito, entre elas a Jane, a dona Rosa e a Raquel. No ano passado, também contei com a ajuda de estudantes de Medicina da Santa Casa para me preparar e prestar a prova do ensino fundamental. Cada dia, estudava uma matéria. Duas horas de aula por dia, mesmo à noite. Gostei muito de estudar matemática, ciências e história", contou o jovem.

Em 2017, Lucas conheceu o xará Lucas Maschietto Boff, de 21 anos, estudante de Medicina da Santa Casa. "Conheci o Lucas pelo Projeto Santa Maluquice, quando alunos da faculdade brincam com as crianças internadas. Desde o primeiro encontro, percebi que ele era uma pessoa especial. Em 2018, ele estava um pouco triste e veio a ideia de criar um canal no Youtube Universo do Lucão e o Encceja 2018. Vi no edital que era possível e fui atrás da parte burocrática para inscrevê-lo em março", disse o estudante.

A preparação durou de abril a julho, com aulas de duas horas de segunda à sexta-feira. Boff se mobilizou para encontrar ajuda e colocar em prática o "intensivão". Conseguiu o apoio de oito amigos da faculdade e de uma voluntária, que se revezavam para dar aulas ao Lucas na hora do almoço e à noite.

AULAS POR SEMANA:

Segunda: Matemática

Terça: Inglês

Quarta: Português e Interpretação de texto

Quinta: História e Geografia

Sexta: Ciências da Natureza e Redação

O projeto Santa Maluquice consiste em uma atividade extracurricular universitária, vinculada ao Departamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), influenciado pelos ideais e princípios dos Doutores da Alegria.

"No dia do exame, fiquei muito nervoso. No dia também vieram dois leitores para ajudar na aplicação da prova. Depois, fiquei muito ansioso para esperar o resultado. Quando soube que passei, fiquei muito feliz. Eu estava confiante no meu esforço e apoio que tive. Agradeço a todos", disse Lucas (o paciente).

Boff relata que outras crianças internadas não sabem ler e, por isso, a ideia é ampliar a iniciativa para que elas também tenham a mesma oportunidade. O estudante também espera desenvolver mais um projeto: transformar a história de Lucas em um livro.

A mãe do Lucas, a auxiliar de enfermagem Joana Paula Barbosa, de 39 anos, fala com orgulho do filho. "É gratificante. Fico muito feliz. Apesar de morar em uma cama de hospital, o que não é fácil, ele conseguiu estudar e passar. Ele teve muita ajuda, mas contou muito o esforço dele."

Joana se formou em Enfermagem em 2007 para poder ajudar a cuidar do Lucas quando está no hospital. Moradora de Mogi das Cruzes, a 50 quilômetros de distância, ela visita o filho quase todos os dias. Em outros momentos, ela se desdobra com o trabalho e com a criação dos outros três filhos, Maria Luiza, de 7 anos, Pedro Henrique, de 5 anos, e Joaquim Miguel, de 7 meses.

Após a aprovação no Encceja, Lucas sonha com os próximos passos. "Vou estudar para passar no ensino médio e depois fazer faculdade de Física. Sou muito fã do cientista Steven Hopkins, ele me inspira muito: tudo o que ele desenvolveu e sua teoria sobre o universo. E também sonho em um dia poder ir para casa."

Clique aqui

Matérias Relacionadas

Política

40 anos de medicina: Dr. Vicente recebe honraria da Câmara de Vereadores de Guaramirim

Os vereadores destacaram os inúmeros moradores do município que tiveram a atenção médica do Dr. Vicente e os recursos e obras que o deputado tem conquistado para Guaramirim e região
40 anos de medicina: Dr. Vicente recebe honraria da Câmara de Vereadores de Guaramirim
Geral

Encontro no Parque Via Verde marcará o Dia do Trabalhador, em Jaraguá do Sul

O evento vai iniciar às 15h e contará com shows, atividades esportivas, culturais, apresentações do Programa Bolsa Cultural, brinquedos infláveis, serviços gratuitos, além de foodtrucks e cervejarias
Encontro no Parque Via Verde marcará o Dia do Trabalhador, em Jaraguá do Sul
Geral

Celesc esclarece dúvidas de clientes sobre ligações novas de energia elétrica

Lei Estadual estabelece critérios para novas ligações e a documentação necessária para os pedidos
Celesc esclarece dúvidas de clientes sobre ligações novas de energia elétrica
Geral

Classificados da Rádio Jaraguá

Quer vender, comprar ou alugar? Confira as oportunidades disponíveis nessa sexta-feira (26).
Classificados da Rádio Jaraguá
Ver mais de Geral