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VARIEDADES

Com 'Imagem e Palavra', aos 88 anos, Godard segue autor lúcido e provocativo

14 Mar 2019 - 08h20Por Luiz Carlos Merten

Na abertura do Festival de Cannes do ano passado, Mme. la Présidente, a atriz Cate Blanchett, foi interpelada se não seria intimidador avaliar a nova obra de um gênio como Jean-Luc Godard, que participava da competição com Le Livre d'Image. Cate retrucou que não seria mais intimidador que os demais filmes selecionados e que seria injusto colocar Godard num patamar superior. No final, o júri outorgou uma Palma de Ouro especial ao autor, não ao filme em concurso. Isso, sim, foi injusto com Imagem e Palavra. Godard, aos 88 anos, fez o filme mais jovem e ousado do festival. Estreia nesta quinta e já tem lugar cativo entre os melhores do ano.

Entre 1989 e 98, Godard desenvolveu seu monumental projeto Histoire(s) du Cinéma, utilizando a ferramenta do vídeo - e colagens - para contar, de forma não linear, a história do cinema e refletir sobre a queda e redenção que os filmes, inscritos numa tradição euro-americana, podiam proporcionar naquele momento. Godard divide agora Imagem e Palavra em cinco capítulos e começa justamente com Remakes. Imagem não deixa de ser um remake conceitual de Histoire(s), agora se valendo da ferramenta do digital, que permite interferir na imagem com uma facilidade abusiva em relação a 20 anos atrás. O segundo e o terceiro capítulos abordam a 2ª Guerra e refletem sobre o choque entre civilização e barbárie que está no centro de História(s). Em alguns momentos de sua extraordinária carreira, Godard contou histórias. Raramente de forma linear, mas dinamitando convenções. O mais próximo que Imagem e Palavra se aproxima de uma história é no quinto capítulo, que se passa no reino fictício de Dofa, o único do Golfo que não foi beneficiado com reservas de óleo. Há uma revolução fracassada em Dofa, e é nesse capítulo, chamado de Região Central, que Godard investe em imagens globalizadas, ou menos comprometidas com o euro-americanismo.

Um Godard é sempre um acontecimento. Há muito tempo que, mesmo participando da seleção oficial de Cannes, ele se recusa a seguir o protocolo. Tapete vermelho, coletiva - nada disso lhe interessa. Em termos. Com Imagem e Palavra, Godard inovou, transformando a coletiva numa videoconferência e falando com os poucos jornalistas que resistiram ao caos em que se transformou a sala. O repórter do jornal O Estado de S. Paulo foi beneficiado com a possibilidade de fazer uma pergunta. Godard tem permanecido fiel ao pensamento crítico de Serge Daney, que reformulou Cahiers du Cinéma. Ele continua acreditando que cinefilia não é só uma relação de amor com o cinema, mas também de amor com o mundo retratado por meio do cinema? "Absolutamente, com certeza", ele respondeu. "Face ao caos e à direitização do mundo, só os filmes nos permitem manter viva a chama da esperança."

Aqui cabe um parêntese. Godard tem sido o narrador dos próprios filmes. Fala com voz cavernosa, mas um tanto trêmula, a voz de um idoso. No começo dos anos 1990, em Veneza, o repórter conseguiu entrevistar Godard presencialmente por Alemanha, Novo Zero, seu remake - já naquela época - de Alemanha Ano Zero, de Rolberto Rossellini, pelo filtro futurista de Lémmy Caution, o agente interpretado por Eddie Constantine em Alphaville. Naquele momento, o repórter surpreendeu-se com a tensão que emanava de Godard. Para um homem que revolucionou o cinema, ele falava baixo, tremia, parecia intimidado pela imprensa. Vinte e tantos anos depois, o mal-estar permanece na videoconferência de Imagem e Palavra. Como sempre, o tema de Godard é o mundo visto pelo cinema. Nos segmentos sobre a 2ª Guerra, ele relaciona o trem dos Lumière aos trens do nazistas que conduziam judeus para os campos de extermínio e aos trens de Alfred Hitchcock. Um momento mágico é a cena do baile de Le Plaisir, de Max Ophüls, de 1952. O velho, maquiado como jovem, dança até a exaustão, ilustrando o que diz o próprio Godard, ao refletir sobre a necessidade que a humanidade tem de contradição e resistência para evoluir.

Justamente, O Prazer. A imagem não é fortuita, mas autorreferencial. Foi a primeira tentativa de crítica de Godard nos Cahiers, rejeitada pelo conselho de redação. Dez anos mais tarde, na própria revista, ele disse que era o mais belo filme francês do pós-guerra.

Godard revela as imagens para debater como ela se modificaram, degradaram, modificaram no inconsciente coletivo. A palavra-chave é manipulação. Tudo hoje pode ser manipulado - qualquer um pode ter suas citações e referências, não é preciso ser um Godard. Apesar disso, ou por isso mesmo, o filme é obra de um idoso que se recusa a perder a esperança. Diante da tela escura, Godard fala da importância de continuar acreditando - na utopia e na esperança. Evoca a força da palavra de Elias Canetti - "Não somos tristes o suficiente para que esse mundo seja melhor."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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