Saúde
Campanhas buscam elevar cobertura vacinal no país
Estudo mostrou que 95% dos pais acreditam que seguir o esquema recomendado pelo médico é o melhor para os filhos, já 63,6% entendem que têm direito de questioná-lo
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é referência mundial, já que oferece, gratuitamente, todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo com essa oferta, a cobertura vacinal vem caindo no país. Estudo feito por diferentes faculdades de Medicina do estado de São Paulo e apresentado no 15º Congresso Paulista de Pediatria, em março, teve por objetivo calcular a taxa de recusa dos pais em vacinar os filhos e avaliar os fatores determinantes.
A autora principal do estudo, a médica Regina Célia Succi, membro do Departamento de Infectologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), informou que o estudo foi baseado em um questionário respondido pelos pais (on line ou pessoalmente) sobre vacinas e calendário vacinal, além dos temores e dúvidas. Responderam à pesquisa 579 pais, sendo 92,9% do sexo feminino.
Nos resultados iniciais, o estudo mostrou que 95% dos pais acreditam que seguir o esquema recomendado pelo médico é o melhor para os filhos, já 63,6% entendem que têm direito de questioná-lo. Embora 94,3% dos pais acreditem que a imunização protege contra doenças potencialmente graves, 14% deles não confiam na segurança das vacinas e 12,1% acham que os filhos recebem mais vacinas do que o necessário.
"Saúde pública"
A aluna de doutorado Ana* considera importante tomar as vacinas previstas no calendário, principalmente as que protegem de doenças mais graves. “Estatisticamente, é mais perigoso e potencialmente fatal pegar alguma das doenças do que o risco de reação às vacinas, então acho válido e dei todas do calendário. Outro motivo pelo qual escolhi dar vacinas é que, por vezes, existem crianças com condições médicas que não permitem tomar vacinas e, muito menos, pegar doenças. Proteger crianças saudáveis é também evitar exposição dessas crianças a algumas doenças”, disse a mãe de Alice, de 3 anos.
No entanto, ela decidiu não dar uma das vacinas à filha. “Particularmente, não dou vacinas para gripe, por exemplo, pois a minha filha tem um sistema imunológico incrível e raramente fica doente. Tomar vacina não é só uma decisão individual é uma questão coletiva, de saúde pública.”
Opinião semelhante tem a médica Regina Succi, autora do estudo. “Deixar de vacinar apenas porque alguém disse que pode ser perigoso é um risco muito grande – eu não estou pondo só em risco o meu filho, mas também estou pondo em risco as pessoas com as quais ele vai entrar em contato”. A médica explica que, se uma criança sadia não se vacina, e depois tem sarampo, por exemplo, pode transmitir para alguém que não pode tomar todas as vacinas, como os imunodeprimidos.
“É o que nós chamamos de imunidade coletiva, vacina-se o máximo de pessoas possível porque há algumas na população que não podem se vacinar porque têm doenças que contraindicam a vacinação”.
Segurança das vacinas
De acordo com o estudo, 38,8% dos entrevistados têm muita preocupação com a seguranlça das vacinas e 26% responderam ter pouca. Oitenta e nove por cento dos pais dizem que sua principal fonte de informações é o médico, seguido pela internet (32,1%) e por parentes/amigos (23,7%). Quase 90% confiam muito no médico dos filhos. Destes, 12,7% afirmam que não conseguem discutir adequadamente vacinas com o profissional. Ainda segundo o estudo, a preocupação dos pais com a possibilidade de eventos adversos graves foi muita (45,3%) e um pouco (36,6%).
Foi o que aconteceu com a professora Viviane Sena, mãe de Dante, de 3 anos. Ela diz ser a favor das vacinas, mas contra a forma como são oferecidas. “Às vezes, o bebê precisa tomar quatro ou cinco vacinas por vez. As reações são inúmeras e piores do que muitas doenças decorrentes de viroses. Deixei de dar [ao filho] a segunda dose do rotavírus [vacina oral rotavírus humano (VORH)], que seria aos 4 meses, porque, na primeira dose, aos 2 meses, eu literalmente pensei que ele não fosse sobreviver, de tanta reação adversa”, contou a professora. “Pesquisei e vi que o rotavírus está em constante mutação e que a vacina não é atualizada. Então optei por não dar essa vacina por entender que ela traria mais danos do que benefícios.”
Para Viviane, não há informação adequada sobre a vacinação. “Nenhum profissional – nem médicos, nem enfermeiros – soube me explicar ao certo sobre a vacina [contra o] rotavírus, ninguém respondeu aos meus questionamentos, e o tom era sempre impositivo [para dar a vacina]. E de tanta cobrança por faltar a vacina no cartão dele, 'aceitei' dar aos 7 meses essa vacina que deveria ter sido aos 4 e que eu não teria dado, não fosse pela imposição dos profissionais da área. Falta informação e acolhimento”, desabafou.
Para reverter esse quadro de insegurança, a autora do estudo disse que os pediatras devem aconselhar os pacientes. “Como professora universitária, sinto que temos que preparar o aluno de medicina e os médicos para sentirem segurança na hora de informar os pacientes sobre a necessidade e a segurança das vacinas.”
Imunização ameaçada
Segundo o Ministério da Saúde, não há dados sobre a taxa de recusa vacinal no país. Mas de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (Datasus), as oito vacinas obrigatórias até o primeiro ano de vida estão com cobertura abaixo do recomendado pela OMS, que é 90% a 95%. A coberrtura vacinal para crianças com até 12 meses de vida, em 2018, variava de 74% a 89%.
"Na nossa avaliação, isso não está relacionado a grupos antivacinas, o que temos visto é que essas vacinas da infância são um fenômeno que é o próprio sucesso do Programa Nacional de Imunizações (PNI). À medida que se vacinou a população infantil erradicaram-se doenças ou ficaram controladas”, afirmou a coordenadora do PNI, Carla Domingues.
Ela lembra que na década de 1970, o país registrava 100 mil casos de sarampo e 10 mil de poliomielite por ano. "Essa geração de pais que foram vacinados na infância deixou de adoecer, não conviveu com essas doenças. E eles começaram a acreditar que não precisam mais vacinar seus filhos porque essas doenças não existem, criando uma falsa segurança”, acrescentou. “Se pararmos de vacinar, principalmente as crianças, doenças que ainda existem em outros países podem voltar a ocorrer no Brasil."
Do início de 2018 até 8 de janeiro de 2019, o Brasil registrou 10.274 casos confirmados de sarampo. Foram 12 mortes pela doença: quatro em Roraima, seis no Amazonas e duas no Pará. Isso ocorreu depois de o Brasil ter recebido, em 2016, da OMS e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o certificado de país livre do sarampo, da rubéola e da rubéola congênita. Com os novos casos, o país perderá a certificação.
“Quando se tem um surto de um ano, significa que o país tem a endemicidade da doença novamente. A Opas está avaliando e agora teremos que demonstrar para órgão que interrompemos essa cadeia e ficaremos um período demonstrando que não temos caso, para o país ser recertificado”, explicou a coordenadora do PNI, que avalia que a falta de vacinação estimulou o surto.
Incentivo à vacinação
Para aumentar os indicadores de imunização, o governo federal lançou, no último dia 11, o Movimento Vacina Brasil, com ações coordenadas pelo Ministério da Saúde.
A Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) também promove a campanha Abril Azul – Confiança nas Vacinas: Eu Cuido, Eu Confio, Eu Vacino, com o objetivo de levar informações sobre a importância da vacinação, aumentar a confiança nas vacinas, além de discutir e mostrar os riscos da recusa vacinal.
Segundo a pediatra Silvia Regina Marques, presidente do Departamento de Infectologia da SPSP, as vacinas representam a melhor intervenção em saúde em termos de custo-benefício: evitam 2 a 3 milhões de mortes a cada ano em todo o mundo e aumentam a expectativa de vida. “Não vacinar as crianças coloca-as em risco de desenvolver doenças potencialmente fatais (sarampo, tétano, difteria, meningite etc) e causadoras de sequelas para o resto da vida, como paralisia (poliomielite), surdez (meningite por H influenzae, caxumba), retardo no desenvolvimento, entre outras”, alertou a especialista.
A proposta da campanha é que os pediatras em seus locais de trabalho (hospital, ambulatório, consultório e universidades) intensifiquem as discussões sobre o calendário vacinal, situação vacinal da população e esclarecimentos sobre a recusa vacinal. “O médico pediatra deve se manter atualizado sobre todos os avanços nas vacinas e manter com a família dos seus pacientes estreito laço de credibilidade e confiança.”
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